sexta-feira, 30 de janeiro de 2015



Sentimento repulsivo
 
O “nojo” é, provavelmente, a única emoção que nós, enquanto seres humanos, não temos em comum com mais nenhuma espécie de ser vivo existente à face terrestre. É uma característica nossa e só nossa que, com o tempo, se foi desenvolvendo até se tornar numa resposta exibida pelo córtex insular do nosso cérebro que serve para nos manter afastados de alimentos potencialmente tóxicos atuando como um mecanismo de defesa que nos protege contra vários tipos de contaminação. É importante lembrar que o “nojo” é também um comportamento que sentimos na forma de desprezo, oriundo de ações moralmente inaceitáveis.

Vamos falar de comida. Toda agente fica mais confortável a comer alimentos em relação aos quais se sente emocionalmente neutro. Por exemplo, os omnívoros ocidentais ficam horrorizados só de pensarem em comer animais domésticos: cães e gatos, nunca na vida! Na hierarquia da carne a evitar, a dos mamíferos é a primeira. A justificação combina motivos de saúde e emocionais: julgamos mais desumano matar mamíferos porque nós próprios o somos e assim lhes conferimos um mais alto grau de parentesco do que aos pássaros e peixes. Na Coreia podemos pedir sannakji, um polvo inteiro vivo, mesmo correndo o risco de sufocar, já que os tentáculos se pegam a tudo, incluindo a nossa garganta. Na China somos servidos com miolos de macaco vivo, com o crânio aberto. Estes pratos custam a engolir mas isso devesse ao “nojo” e pelo facto de sermos criaturas mortais que, por vezes, acabam remetidas aos medos da existência humana.

O ser humano aprende o significado e segurança dos alimentos com os semelhantes (indivíduos à nossa volta) e isso molda-lhes o pensamento que têm sobre a comida. Depois há a influência cultural que não se limita às categorias de vivo, humano ou podre, dependendo daquilo a que nos habituamos desde pequenos. Os pensamentos tornam a comida nojenta. O que nos enoja depende de como encaramos o objeto ofensivo. Por exemplo, quando temos saliva na boca provavelmente não nos sentimos enojados, mas, no entanto, se cuspirmos a saliva para dentro de um copo e depois bebê-la já somos capazes de mostrar repulsa. Esta emoção parece automática, mas requer pensamento e dedução pois é preciso estar atento e observar o que estamos a ver para reagir com repulsa.

O único animal equipado com um cérebro avançado para processar esta complexidade é o ser humano.

                                                                                                                                                                     Lucas Salgado                                               

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