Sentimento repulsivo
O “nojo” é, provavelmente, a única emoção que nós, enquanto seres humanos,
não temos em comum com mais nenhuma espécie de ser vivo existente à face
terrestre. É uma característica nossa e só nossa que, com o tempo,
se foi desenvolvendo até se tornar numa resposta exibida pelo córtex insular do
nosso cérebro que serve para nos manter afastados de alimentos potencialmente
tóxicos atuando como um mecanismo de defesa que nos protege contra vários tipos
de contaminação. É importante lembrar que o “nojo” é também um comportamento
que sentimos na forma de desprezo, oriundo de ações moralmente inaceitáveis.
Vamos falar de comida. Toda agente fica mais confortável a comer alimentos
em relação aos quais se sente emocionalmente neutro. Por exemplo, os omnívoros
ocidentais ficam horrorizados só de pensarem em comer animais domésticos: cães
e gatos, nunca na vida! Na hierarquia da carne a evitar, a dos mamíferos é a
primeira. A justificação combina motivos de saúde e emocionais: julgamos mais
desumano matar mamíferos porque nós próprios o somos e assim lhes conferimos um
mais alto grau de parentesco do que aos pássaros e peixes. Na Coreia podemos
pedir sannakji, um polvo inteiro
vivo, mesmo correndo o risco de sufocar, já que os tentáculos se pegam a tudo,
incluindo a nossa garganta. Na China somos servidos com miolos de macaco vivo,
com o crânio aberto. Estes pratos custam a engolir mas isso devesse ao “nojo” e
pelo facto de sermos criaturas mortais que, por vezes, acabam remetidas aos
medos da existência humana.
O ser humano aprende o significado e segurança dos alimentos com os
semelhantes (indivíduos à nossa volta) e isso molda-lhes o pensamento que têm
sobre a comida. Depois há a influência cultural que não se limita às categorias
de vivo, humano ou podre, dependendo daquilo a que nos habituamos desde
pequenos. Os pensamentos tornam a comida nojenta. O que nos enoja depende de
como encaramos o objeto ofensivo. Por exemplo, quando temos saliva na boca
provavelmente não nos sentimos enojados, mas, no entanto, se cuspirmos a saliva
para dentro de um copo e depois bebê-la já somos capazes de mostrar repulsa. Esta
emoção parece automática, mas requer pensamento e dedução pois é
preciso estar atento e observar o que estamos a ver para reagir com repulsa.
O único animal equipado com um cérebro avançado para
processar esta complexidade é o ser humano.
Lucas Salgado