Ao abordar esta
questão temos obrigatoriamente de nos debruçar sobre o conceito de instinto. A
meu ver, o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie. E o
instinto serve melhor os animais porque defende a vida. Se um animal come outro,
come-o porque tem de comer, porque tem de viver; mas quando assistimos a cenas
de lutas terríveis entre animais (o leão que persegue a gazela, que a morde,
que a mata e devora), o nosso coração sensível diz «que coisa tão cruel». Não:
quem se comporta com crueldade é o Homem, não é o animal, aquilo não é
crueldade; o animal não tortura, é o Homem que tortura. Então, o que eu critico
é o comportamento do ser humano, um ser dotado de razão, razão organizadora da
vida, que deveria sê-lo e que não o é; o que eu critico é a facilidade com que
o ser humano se corrompe, com que se torna maligno.
A ideia que temos das crianças, dos
meninos e das meninas pequenas, a ideia de que são seres adoráveis, puros,
maravilhosos é, em parte, verdadeira. Mas deixemos que cresçam para sabermos
quem realmente são, pois quando crescem sabemos que, infelizmente, muitas
dessas inocentes crianças vão modificar-se. E por culpa de quê? É a sociedade a
única responsável? Há questões de ordem hereditária? O que é que se passa dentro
da cabeça das pessoas para serem uma coisa e passarem a ser outra?
É evidente que a grande culpada é uma
sociedade de invejas, ganâncias, ambições que instituiu, como valores a seguir,
o lucro, o sucesso, o triunfo sobre o outro, colocando as pessoas numa situação
em que acabam por pensar que todos os meios são viáveis para alcançar aquilo
que se quer.
E é essa indiferença em relação ao outro,
esse desprezo do outro, que me leva a pensar se faz algum sentido falar da
existência de uma espécie que se diz racional. O Homem é um animal irracional,
exactamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais
irracionais simples e o Homem é um animal irracional complexo. Ademais, como
diria Fernando Pessoa, «o Homem não sabe mais que os outros animais; sabe
menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.»
José Pedro Pinto
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